Dawkins, especialmente no capítulo 13 do seu livro, expande essa idéia para além da genética, sugerindo que qualquer sistema onde exista variação, hereditariedade (ou fidelidade na cópia) e seleção diferencial dará origem a um processo evolutivo. O próprio universo da informação cultural, e hoje, de forma ainda mais explícita, o ecossistema digital, apresenta-se como um campo fértil para tais replicadores. Nessa ideia ele criou o termo "meme" como algo análogo ao "gene", porém que se replica culturalmente, pelo comportamento, e não biologicamente.
O universo dos vídeos na internet, atualmente bem popular nos formatos curtos, os "shorts" do YouTube, TikToks e Reels, criaram um nicho muito interessante de se analisar nessa lógica dos "memes" de Dawkins. E ilustra como essa teoria traz um framework muito forte para explicar não só a vida, mas tudo aquilo que se relaciona com o fenômeno de replicação, reprodução ou qualquer ato análogo. E como essa condição é determinante, mesmo em um sistema complexo.
Um fenômeno curioso na arquitetura de muitos desses vídeos curtos é que eles são criados de forma não apenas para serem vistos uma vez, mas para induzir múltiplas visualizações pelo mesmo espectador. A ausência de um início e fim claros, a repetição sutil ou o ciclo rápido de conteúdo fazem com que o usuário, frequentemente, assista ao mesmo clipe uma, duas, ou mais vezes antes de perceber o loop ou de passar para o próximo. Esse padrão, embora possa comprometer a clareza narrativa ou a profundidade do conteúdo, serve a um propósito fundamental do ponto de vista do replicador digital: maximizar o "pageview", o evento de reprodução.
Cada reprodução adicional, mesmo que pelo mesmo usuário em sequência imediata, conta como uma instância de "sucesso replicativo" para o algoritmo que mede o engajamento. O vídeo, ou mais precisamente, o conjunto de características estruturais e temáticas que compõem o vídeo (o "meme-complexo"), que logra esse tipo de re-engajamento, é "selecionado positivamente". Ele não precisa ser "bom" no sentido estético ou informativo tradicional; precisa ser eficaz em se fazer assistir repetidamente.
A discussão sobre se os algoritmos entregam o que as pessoas "querem" versus o que elas "precisam" torna-se secundária aqui. A dinâmica é mais crua: os algoritmos, como ambiente seletivo, favorecem os padrões de conteúdo que melhor exploram os mecanismos de atenção e engajamento humanos, resultando em mais tempo de plataforma e mais interações. Os vídeos que intrinsecamente convidam à repetição, seja por sua brevidade, pela natureza hipnótica do loop, ou por um "gancho" que só se completa (ou se reinicia) ao final do ciclo, adquirem uma vantagem seletiva.
Isso leva à proliferação de formatos que podem parecer superficiais, repetitivos ou mesmo manipuladores ("clickbait" em sua forma mais pura). Não é necessariamente uma conspiração de oportunistas criadores de conteúdo, mas uma consequência emergente da seleção. Se um vídeo construído de maneira "decente", com início, meio e fim claros, gera X visualizações, e um vídeo fragmentado e cíclico, de produção similar, gera 2X ou 3X visualizações devido à sua capacidade de ser "re-replicado" no mesmo espectador, a lógica do sistema favorecerá o segundo. O replicador não se importa com a "qualidade" percebida, mas com sua própria perpetuação.
A teoria da seleção de grupo, embora por vezes vista como controversa em relação ao gene egoísta, pode encontrar aqui um paralelo interessante. Certos tipos de memes (formatos de vídeo, desafios, sons) podem se fortalecer mutuamente dentro de uma plataforma, criando um "ecossistema memético" que, como um todo, se torna mais eficaz em capturar e reter a atenção. O sucesso de um formato de loop pode incentivar outros criadores a adotá-lo, gerando um "grupo" de memes que se beneficiam da mesma estratégia replicativa.
"Essa lógica dos replicadores ecoa de forma impressionante, e talvez ainda mais visceral, no campo da biologia, bem além do que vemos no comportamento humano. A virologia, por exemplo, nos dá um 'estudo de caso' espetacular que, na minha visão, resume as táticas de replicação em duas grandes frentes, ambas mirando a sobrevivência, mas por caminhos bem diferentes. Uma delas joga suas fichas na velocidade da mudança, na pura tentativa e erro, onde a capacidade de se adaptar nasce da própria enxurrada de variações e da natureza passageira de cada forma. A outra se agarra na especialização contínua, em ficar cada dia melhor em uma coisa só, refinando seus truques para um cenário específico. Esse contraste todo fica muito nítido quando a gente compara as estratégias dos vírus de RNA e DNA."
A lição de Dawkins ressoa com uma clareza perturbadora no ambiente digital. Em qualquer arena onde a replicação é possível, as entidades que, por qualquer característica que possuam, se replicam com maior eficácia, acabarão por dominar essa arena. É incrível como essa regra é predominante, e até determinante, mesmo em um ambiente complexo.
Cada reprodução adicional, mesmo que pelo mesmo usuário em sequência imediata, conta como uma instância de "sucesso replicativo" para o algoritmo que mede o engajamento. O vídeo, ou mais precisamente, o conjunto de características estruturais e temáticas que compõem o vídeo (o "meme-complexo"), que logra esse tipo de re-engajamento, é "selecionado positivamente". Ele não precisa ser "bom" no sentido estético ou informativo tradicional; precisa ser eficaz em se fazer assistir repetidamente.
A discussão sobre se os algoritmos entregam o que as pessoas "querem" versus o que elas "precisam" torna-se secundária aqui. A dinâmica é mais crua: os algoritmos, como ambiente seletivo, favorecem os padrões de conteúdo que melhor exploram os mecanismos de atenção e engajamento humanos, resultando em mais tempo de plataforma e mais interações. Os vídeos que intrinsecamente convidam à repetição, seja por sua brevidade, pela natureza hipnótica do loop, ou por um "gancho" que só se completa (ou se reinicia) ao final do ciclo, adquirem uma vantagem seletiva.
Isso leva à proliferação de formatos que podem parecer superficiais, repetitivos ou mesmo manipuladores ("clickbait" em sua forma mais pura). Não é necessariamente uma conspiração de oportunistas criadores de conteúdo, mas uma consequência emergente da seleção. Se um vídeo construído de maneira "decente", com início, meio e fim claros, gera X visualizações, e um vídeo fragmentado e cíclico, de produção similar, gera 2X ou 3X visualizações devido à sua capacidade de ser "re-replicado" no mesmo espectador, a lógica do sistema favorecerá o segundo. O replicador não se importa com a "qualidade" percebida, mas com sua própria perpetuação.
A teoria da seleção de grupo, embora por vezes vista como controversa em relação ao gene egoísta, pode encontrar aqui um paralelo interessante. Certos tipos de memes (formatos de vídeo, desafios, sons) podem se fortalecer mutuamente dentro de uma plataforma, criando um "ecossistema memético" que, como um todo, se torna mais eficaz em capturar e reter a atenção. O sucesso de um formato de loop pode incentivar outros criadores a adotá-lo, gerando um "grupo" de memes que se beneficiam da mesma estratégia replicativa.
"Essa lógica dos replicadores ecoa de forma impressionante, e talvez ainda mais visceral, no campo da biologia, bem além do que vemos no comportamento humano. A virologia, por exemplo, nos dá um 'estudo de caso' espetacular que, na minha visão, resume as táticas de replicação em duas grandes frentes, ambas mirando a sobrevivência, mas por caminhos bem diferentes. Uma delas joga suas fichas na velocidade da mudança, na pura tentativa e erro, onde a capacidade de se adaptar nasce da própria enxurrada de variações e da natureza passageira de cada forma. A outra se agarra na especialização contínua, em ficar cada dia melhor em uma coisa só, refinando seus truques para um cenário específico. Esse contraste todo fica muito nítido quando a gente compara as estratégias dos vírus de RNA e DNA."
A lição de Dawkins ressoa com uma clareza perturbadora no ambiente digital. Em qualquer arena onde a replicação é possível, as entidades que, por qualquer característica que possuam, se replicam com maior eficácia, acabarão por dominar essa arena. É incrível como essa regra é predominante, e até determinante, mesmo em um ambiente complexo.
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