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quarta-feira, 14 de julho de 2010

Quem somos nós?

Evolução, Individualidade, Relações Sociais, Comunicação, Cosciência Coletiva e o Papel dos indivíduos

Parte I: A Evolução
Um dos maiores desenlaces da biologia moderna tem sido a busca pela unificação da origem da vida, reflexo do modelo originado pelos princípios de Charles Darwin relativos à origem das espécies e hoje aceita unanimemente pelos biólogos.

Aproximadamente 30 anos atrás um dos mais famosos microbiologistas norte-americanos, Carl Woese, descreveu a teoria do último ancestral comum universal, LUCA (last universal common ancestor). Tal teoria é embasada estatisticamente pelas chances da existência de um ancestral comum universal serem muito mais que bilhões e bilhões de vezes, na ordem de 10 elevado a 3489, superiores às chances de um modelo multi-ancestral.

Hoje a teoria, já repercutida em inúmeros grupos de pesquisa responsáveis pela adição e amadurecimento de idéias relacionadas, assume novas definições tais como o último estado comum universal, LUCAS (last universal common state). Estudos indicam que este estado representa uma complexa comunidade de formas de vida protoeucariotas (ancestrais aos eucariotos modernos) de genoma composto de RNA.

Parte II: A Individualidade
Por que estado comum e não ancestral comum? Por que a composição genômica seria de RNA e não de DNA? As respostas para essas duas perguntas representam a condição necessária para a origem da individualidade.

Para entender essa condição é necessário compreender como se prevalece a evolução e perpetuação de organismos de genoma de RNA. Um dos modelos mais claros que leva a essa compreensão é o modelo chamado Quasispecies (quase-espécie). Este modelo descreve, nas condições darwinianas e seguindo leis físico-químicas, como entidades auto-replicantes se comportam.

Primeiramente deve-se estarem claras as diferenças entre organismos de genoma RNA e DNA. A mais relevante diferença entre eles consiste na habilidade do DNA corrigir os erros gerados em sua duplicação, enquanto o mecanismo que dá origem a novas moléculas de RNA (transcrição) não é capaz de corrigir os erros gerados na produção. Técnicamente, dizemos que a Polimerase DNA dependente possui atividade de revisão e correção, enquanto a Polimerase RNA dependente não. O fato da replicação do RNA gerar erros e consequentemente maior potencial mutante é a base do modelo de quasispecies viral.

Vírus de RNA seguem nitidamente o modelo de quasispecies, especificamente chamado de quase-espécie viral. Este modelo descreve que, ao estabelecer uma infecção, o vírus não assume uma forma única de genoma. Teoricamente poderíamos esperar que o vírus prevaleça na forma mais adaptada, entretanto o agente infectante se comporta não como indivíduo, mas como uma quase-espécie que é favorecida em sua totalidade pela existência de uma gama de variantes do genoma mais bem adaptado, que em suas co-existências favorecem-se umas as outras.

Este é o modelo mais elucidativo para a individualidade e cooperação entre diferentes partes que compõem uma comunidade ou espécie. Segundo a quase-espécie viral, cada vírus se comporta como um indivíduo portador de deficiências e qualidades. Estas diferenças tornam cada um deles mais apto a infectar um sistema ou tipo celular específico, porém consequentemente desfavorecendo a infecção dos demais sistemas e células. Este fato favorece que a quase-espécie, como um todo, esteja apta a infectar os diversos setores de um organismos de acordo com as suas singularidades, ao mesmo tempo que aumenta a inter-dependência entre as diferentes formas. Em outras palavras, o modelo descreve que a infecção gerada por um vírus prevalece pelo conjunto de diferentes formas que resultem na maior taxa replicativa e não na forma que resulte na mais bem adaptada. Assim, nota-se que o conceito de maior adaptação é totalmente relativo ao micro-ambiente em questão e que uma grande adaptação a um ambiente significa baixa adaptação a um segundo ambiente.

Ao mesmo tempo que a individualidade favorece a predominância da quase-espécie pela sinergia gerada pela cooperação, ela também favorece a sobrevivência pela individualidade. Um grupo que compartilhe uma característica em comum pode ser identificado e eliminado por essa característica, entretanto um grupo diverso torna-se complexo demais para ser identificado e eliminado por um único mecanismo. A evolução está diretamente ligada com a capacidade de sobrevivência e predominância de todas e quaisquer espécies vivas.

Parte III: Relações sociais
A sociedade é um agrupamento de indivíduos capazes de estabelecer relações inter-individuais. Tais relações favorecem a troca de conhecimento, cooperação e divisão de atividades, gerando a condição que o executor de uma determinada tarefa possa ser treinado e aprenda como executá-la da melhor maneira, sem se preocupar com o restantes das tarefas quais ele não desenvolveu habilidade para executar.

A sociedade funciona como o modelo viral descreve a quase-espécie, cada indivíduo em suas singularidades tem o dever de exercer funções específicas, que de maneira cooperativa, dará sustentação à sociedade, que irá predominar-se sobre outras de acordo com a capacidade dos seus indivíduos de agirem em conjunto, com potencial militar, econômico, político e cultural. A proposta do modelo cooperativo, base da sociedade, é uma chance de que as pessoas se tornem verdadeiras especialistas em uma função. A limitação gerada pela especialização e diferenciação individual é inversamente proporcional ao fator limitante de sobrevivência de uma sociedade. Devemos enxergar a sociedade de maneira holística.

Da mesma forma, as diferenças entre etnias, culturas e consequentemente modos de se viver, são cruciais para o desenvolvimento da sociedade e prevalência do modelo ao se deparar com situações adversas. A singularidade dos indivíduos proporciona que por mais que alguns não se adaptem, outros irão e a comunidade se perpetuará como um todo, independente do momento em questão.

Apesar de tais semelhanças básicas compartilhadas por todas as formas de vida, a sociedade, ou quase-espécie humana, apresenta uma característica especial que proporcionou nossa evolução de maneira diferenciada. Esta habilidade é a capacidade de comunicação.

Parte IV: A Comunicação - Sentidos e Desejos
A habilidade sempre precede uma necessidade. No nosso caso, a habilidade de se comunicar precede a necessidade da troca de informações. Ao trocar informações os seres humanos são capazes de transmitir experiências para uma pessoa que não as viveu, transmitindo assim sabedoria e aprimorando a capacidade do indivíduo de compreender.

Entretanto, a base da comunicação são os sentidos: paladar, olfato, visão, audição e tato. Não se pode transmitir qualquer informação que não utilize como veículo pelo menos um dos cinco sentidos.

É através dos sentidos que temos experiências que nos fazem perceber os limites e desejos do nosso organismo. Todas os desejos humanos, sejam eles intrínsecas ao seres vivos ou não, se manifestam através de sentimentos. Um sentimento é o estado interior do indivíduo ao experimentar uma emoção, que por sua vez é uma resposta do sistema cognitivo a um estímulo.

Em sua totalidade, as diversas formas de comunicação criam uma densa e complexa rede social, onde cada fio da malha é todo e qualquer tipo de interação entre os diversos indivíduos, seja ela consciente ou inconsciente. Cada uma delas contribui com um passo para a elaboração de um tecido cada vez mais complexo, sendo que a história desse tear é a história da humanidade. Por sua vez, essa história com cada um de seus detalhes dá origem a consciência coletiva.

Parte V: Consciência Coletiva e o Papel do Indivíduo
A consciência coletiva, de acordo com o sociólogo Durkheim é o "conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade que forma um sistema determinado com vida própria". A consciência coletiva nada mais é que o desejo da sociedade.

Somos guiados por um impulso que nos guia desde o início da vida, somados às experiências coletivas. Somos guiados pelo desejo da sociedade, que nada mais é que a evolução contínua pela qual estamos passamos há milhões de anos.

O reflexo da consciência coletiva sobre os indivíduos, gera a consciência individual, que é a soma deste reflexo às experiências individuais. Tal consciência individual gera em nós a percepção própria da individualidade e com isto o questionamento individual.


Em suma, as imagens que temos como indivíduos nada mais são do que reflexos de pequenas frações da totalidade influenciada por dois aspectos.

O primeiro deles pode ser exemplificado pela pergunta: qual frações da totalidade (quais experiências) influencia, influenciou e, ou, potencialmente influenciará o indivíduo em questão? Em segundo, como a consciência coletiva (sendo única e independente da individualidade à grosso modo) influencia, influenciou e/ou potencialmente influenciará o indivíduo em questão?

O verdadeiro indivíduo jamais poderá ser exergado por um segundo indivíduo. Uma parte que toma consciência própria como parte de um sistema, jamais terá capacidade de enxergar uma segunda fração na perspectiva da totalidade. A verdade só é absoluta quando é totalitária.

O que um indivíduo percebe são apenas sombras, imagens que se desformam de acordo com a influência da luz e posição de foco. E dependendo do número de focos de luz, podemos ter várias sombras de um mesmo objeto.

Quem somos nós?

Um comentário:

  1. Muito interessante e com um alto teor científico tambem. Essa questão da limitação que temos em vermos o mundo apenas pelos nossos sentidos sempre me fez perguntar o que o mundo realmente é. Não o que ele é para mim mas... o que realmente ele é. E como fazer para vivermos nele na sua genuína forma de ser. Valeu! parabéns pelo texto!

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