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segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Ludo, ergo ago

 Jogos digitais, independentemente do gênero — estratégia em tempo real, simulação, RPGs narrativos, puzzles ou jogos de sobrevivência — funcionam como ambientes controlados de resolução de problemas. Neles, o jogador enfrenta desafios cognitivos que envolvem planejamento, inferência, adaptação e otimização de recursos. Entretanto, essas situações não correspondem diretamente à realidade: são abstrações, muitas vezes fantasiosas, que simplificam variáveis e ignoram restrições físicas, econômicas ou sociais do mundo real.

Ainda assim, a função cognitiva dos jogos é evidente. Tal como em treinamentos técnicos ou físicos — simuladores de voo, exercícios de astronautas em microgravidade artificial, ou ambientes de realidade aumentada para cirurgiões — o aprendizado não depende da fidelidade ao real, mas da estrutura de raciocínio que o ambiente exige. O que importa é o padrão mental treinado: a capacidade de interpretar sistemas, reagir a estímulos e tomar decisões sob restrições.

À medida que sistemas autônomos e semi-autônomos se tornam mais complexos, a colaboração entre humanos e máquinas passa a ocorrer majoritariamente através de interfaces cognitivas — espaços onde decisões humanas complementam a autonomia algorítmica. Essas interfaces estão evoluindo para se tornar mais adaptáveis e interativas, aprendendo com o comportamento humano.

É plausível que o design dessas interfaces converja com a lógica dos jogos. Um sistema interativo que consegue representar problemas reais em forma de simulação permite capturar, em escala, padrões de decisão e intuição humana. Um operador que controla drones, por exemplo, já interage com sistemas que lembram jogos de estratégia. Da mesma forma, processos de otimização industrial, monitoramento de redes elétricas e coordenação de frotas automatizadas estão se aproximando de dinâmicas de simulação em tempo real.

A arte imita a vida, e a vida imita a arte — mas agora, a simulação começa a substituir partes do real como campo de ação. À medida que a inteligência artificial aprende a traduzir tarefas reais em ambientes interativos, a fronteira entre “jogar” e “operar” tende a desaparecer. O input do jogo pode, literalmente, resolver o mesmo problema que o input físico resolveria na vida real.

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