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quarta-feira, 5 de novembro de 2025

O Desiluminista - Deus Sive Natura

O Desiluminista nasce do cansaço diante do clarão. Ele observa o palco da razão moderna e percebe que a luz, que um dia libertou, agora cega. O Iluminismo acendeu um sol que nunca se pôs, e sob sua claridade incessante aprendemos a ver apenas pedaços, reflexos, projeções do real. Como quem corta um cordão umbilical, a ciência foi separada do debate sobre deus e espiritualidade e passou a andar sozinha, esquecendo de olhar para a essência do próprio corpo que a sustenta. Criamos holofotes sobre fragmentos do conhecimento e chamamos isso de verdade, enquanto a unidade , um tecido invisível entre as coisas, se dissolve na penumbra que fingimos não ver. E vai sendo esquecida, ao se fragmentar cada vez mais e mais.

O Desiluminista não nega a luz, mas a quer de volta em estado natural: difusa, viva, cheia de sombra, e capaz de admitir o mistério sobre o desconhecido. Ele compreende que Deus e a Ciência não são inimigos, mas nomes provisórios para a mesma coisa. Entre um e outro, ele fica com ambos: Deus sive Natura - Deus, ou seja, a Natureza. Com nomes distintos, vão se criando dois "espantalhos", símbolos de nossa persistente incapacidade de compreender entidades que dependem da explicação de sistemas tão complexos que sequer entendemos o que são, quanto mais como funcionam. Como na Parábola da Formiga e o Elefante, cada religião, cada grupo de pesquisa, cada ideologia toca apenas uma parte, mas defende com soberba ter encontrado a única verdade que representa o todo. Assim, falamos línguas diferentes e erguemos uma nova Torre de Babel. Uma torre de dados e dogmas, método e fé, algoritmos e orações.

O Desiluminista caminha entre essas ruínas de focos de luz, buscando o ritmo que precede a canção - o ponto em que o conhecimento técnico e a experiência que chamamos de “sagrado” ainda partilhavam da mesma realidade, antes de serem fragmentados pela necessidade e pelo estorvo do reducionismo exacerbado. Às vezes achamos que precisamos dividir para compreender, mas é na divisão que perdemos a essência. Sem sinergia, o sistema deixa de ser explicável.

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